terça-feira, 27 de outubro de 2009

acerolas

 Era um lugar frio e calmo, mas não aquele calmo gostoso como em um parque florido, mas aquele calmo tenebroso como em um cemitério fechado, com um leve exagero é claro. 

As pessoas que passavam eram tão sortidas quanto bombons na caixa, cada qual com seu sabor, cada qual com seu passado. O tempo escorria, as horas passavam, e apesar dela já está ali, ainda não sabia se ia ou não ia. O ônibus ainda não chegara, estava prestes a oscilar, tinha medo de desistir se tivesse tempo pra pensar. Queria ir para outro lugar onde pudesse respirar sossegada, onde pessoas não a julgariam, onde pássaros cantariam, e onde ela pudesse esmagar acerolas sem que as pessoas a olhassem torto. Ela ama esmagar acerolas. Mas hoje, não são as acerolas que importam, são as dores que se alojaram em seu nauseado estomago, são as feridas que fazem seu coração parecer nada mais que uma acerola esmagada. E lembrando-se de todas as vezes que seu coração foi impiedosamente ferido, não parece tão cruel a ideia de abandoná-los. Mas e se ela encontrasse outras pessoas que fizessem a mesma coisa, pessoas com nome diferente, alma diferente, mas que ela amasse, convivesse e depois descobrisse coisas horripilantes que a machucaria novamente. Novas feridas, ou prorrogação das antigas? Será mesmo que viver é sinônimo de sofrer? Só há aprendizagem na dor? Todo mundo sempre machuca todo mundo? Mudar tudo por causa das pessoas? Vale à pena? Ela confessara a mim outrora, que se pudesse fazer qualquer coisa na vida, faria de suas lembranças acerolas, e pisaria nelas com água na boca. Por que assim poderia fazer da vida o que quisesse, sem esse bicho chamado passado. Mas isso não era possível, não ali, não naquele momento. Ela fecha os olhos forte e rápido como uma criança pra não ver o escuro. As lágrimas caem, ela não as enxuga, as mãos frias e suadas molham o bilhete, ela morde os lábios com fúria, balança a perna rapidamente, sua respiração acelera, flashes de seu passado lhe vem a cabeça. Não há mais tempo. O ônibus chegou. 




Nome científico: Malpighia glabra L.

Um comentário:

Najla Salih disse...

E caindo em devaneios....
acerolas espalhadas, acerolas tão pequenas, mas que dividimos. Ai vida...